Integração didática das línguas: uma alternativa possível
Por Geraldo Genetto PereiraProfessor, escritor, blogueiro, youtuber.Formação: Licenciatura e Mestre em Letras pela UFMG.
IntroduçãoDissertação realizada em cumprimento às exigências da disciplina didática integrada das línguas, ministrada pela Prof.ª Drª Eveline Dogliani da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.
A educação escolar precisa de metodologias inovadoras. A cada momento há novos desafios para ensino, por isso se devem criar caminhos alternativos ao ensino tradicional, para se alcançar o objetivo almejado à educação: a qualidade. O ensino de língua materna é um desafio ao professor dessa disciplina, pois há de se pensar a maneira de ensinar ao aluno um conteúdo que lhe é inato. A criança constrói frases gramaticais desde a aprendizagem fala. Isso, muitas vezes, é ignorado pelo educador, quando este direciona a aquisição da linguagem escrita à gramática tradicional. O aprendiz é tratado como se a fala e escrita fossem agramaticais, quando começa o ensaio às primeiras letras. É comum ouvir o professor dizer que tal palavra se fala alfa, mas se escreve como gama. Essa dissertação prioriza o estudo da aquisição da língua materna e a possível utilidade da integração desta com outras línguas na sala de aula.
Para discutir algumas questões ligadas ao ensino de língua materna, esta dissertação foi dividida em tópicos: no primeiro, há uma reflexão sobre o ensino de língua materna (doravante L1) integrada ao ensino de uma ou mais línguas estrangeiras. Nesse tópico há uma abordagem sobre a convivência harmônica de língua materna e língua estrangeira em sala de aula e como os docentes podem se auxiliarem no ensino de L1 e de língua estrangeira (doravante L2) aos discentes.
Alguns professores, principalmente os do ensino de L2, não vêem tal procedimento como eficaz para a aprendizagem do aluno, uma vez que L1 e L2 podem ter estruturas gramaticais diferentes, então os alunos aplicariam a estrutura de L1 na fala e na escrita de L2, como veremos mais a frente. Isso é uma crença que tem aceitação de alguns professores de L2. A verdade é que as salas de aulas são invadidas por varias crenças e algumas serão tratadas no tópico dois.
Várias alternativas foram pensadas para o ensino de L1. Na reflexão diária se surgem várias formas de se levar os alunos à aquisição da língua padrão. Uma delas seria a arte performática. Ela pode ser útil ao ensino de L1, uma vez que os discentes têm que memorizar textos para participar de uma encenação teatral. Se se pensar nas salas de aulas das escolas públicas brasileiras tem-se que admitir de que haja obstáculos para tal empreendimento, como se verá no tópico três. A prática da arte performática na sala de aula, assim como no ensino de L1 e L2 integradas, deve levar-se em conta os estágios evolutivos dos alunos, isto é, até que ponto os discentes são capazes de transitarem por tais caminhos sem que haja prejuízo à aquisição de ambas as línguas. Os professores precisam perguntar-se o que motivaria os discentes na aquisição de L1 ao estudar L2, assim como qual seria a fase ideal para tal empreendimento.
O último tópico tratar-se do erro na sala de aula; o objetivo é mostrar que há novas concepções teóricas sobre o erro e que por meio desse olhar diferenciado sobre o erro pode-se elevar a auto-estima do aluno e através dessas teorias muitos educadores têm deixado a tradicional concepção de erro, como uma incapacidade de aprendizagem do aluno, para aderir à teoria de estágios evolutivos de aquisição da linguagem oral e escrita. A ideia principal dessas teorias é de que o erro seria uma ocorrência natural relacionado ao Espiral de desenvolvimento da inteligência e como tal haveria um momento em que ele seria superado pelo aprendiz.
Integração didáticas das línguas
É necessário haver novas reflexões sobre a aquisição da língua materna. É preciso acabar com alguns preconceitos lingüísticos inerentes ao português brasileiro. É urgente excluir a idéia de que o aluno não sabe a língua portuguesa. É preciso haver a consciência de que a variação lingüística no Brasil é enorme, devido a dimensão territorial do país e que devido a essa dimensão territorial e as disputas políticas internas surge muitos preconceitos e estigmas aos falares regionais; isso, talvez não existiria se os professores conscientizassem seus alunos sobre essa variedade dialetal. Alguns estigmas estão concatenados na mente dos brasileiros, como, por exemplos, o dialeto mineiro uma fala caipira, o dialeto maranhense é o melhor português do Brasil, por conter construções gramaticais parecidas com o português falado em Portugal e assim por diante. Pensar em integrar o ensino de língua materna á estrangeira é uma maneira de mostrar aos alunos que há variações lingüísticas em todas as línguas e, portanto, o dialeto do falante A não é melhor ou pior do que o de B, mas uma variação lingüística. Conhecer a língua do outro é uma forma de valorizar a própria língua.
Estigmatizar uma variação linguística à outra é comum aos aprendizes de línguas. É recorrente ouvir dizer que o verdadeiro espanhol se aprende na Espanha; mas em qual região da Espanha? Esse país é formado por uma variedade lingüística que vai do catalão à Euskera. Também se diz que o verdadeiro inglês é o falado na Inglaterra. Mas qual é o inglês universal hoje? O inglês das gramáticas falado pelos estudantes e turistas estrangeiros soa estranho tanto para os nativos Britânicos, pois há preocupação dos professores em ensinar o inglês britânico; mas o inglês britânico ensinado nas escolas não é o verdadeiro inglês da Inglaterra, o qual contém variações dialetais. Ensina-se um inglês encarcerado pela gramática, o que não se pode chamar de inglês britânico, uma vez que a língua é viva e está a sofrer constantes transformações. A prática de uma didática integrada de línguas seria uma oportunidade para refletir essas questões e ajudar aos alunos a valorizarem a língua materna.
Por outro lado Gonzáles (2005) diz que a língua materna tem um papel importante no processo de aquisição/aprendizagem de outras línguas. As línguas neolatinas, principalmente, se enquadram nessa concepção de importância, uma vez que a gramática tem classes gramaticais oriundas do latim e com estruturas frasais aproximadas. O bilingüismo do professor seria de extrema importância para a prática do ensino de íngua materna, pois além de conhecer a estrutura da sua própria língua, também dominaria a estrutura de L2; assim poderia trabalhar em classe o ensino de ambas por meio de comparação. Por exemplo, o dativo e o genitivo do latim que se mantêm em todas as línguas neolatinas.
Há que se ter em mente a sensibilidade quanto à diversidade linguística, assim como à diversidade de comportamento dos seres humanos, com os quais lidamos no dia-a-dia na sala de aula. A reflexão sobre a diversidade lingüística seria um caminho para romper o preconceito que se tem sobre a língua portuguesa, de que ela é uma língua difícil de aprender e assim fortaleceria a auto-estima do sujeito falante. A sensibilização leva o aluno a refletir e a valorizar sua própria língua, pois se as ocorrências de variação em L1 levam os alunos a estigmatizá-la, também há pesquisas sobre variação e mudança lingüística que apontam que há tal estigma em outras línguas; por exemplo, a não marcação do plural nos verbos, na linguagem oral e coloquial do português do Brasil, também ocorre na linguagem padrão do inglês e nem por isso tal língua é estigmatizada pelos aprendizes brasileiros de L2. É importante dizer aos alunos que a variação lingüística é um fenômeno diacrônico, sincrônico e diatópico e que os mesmos preconceitos lingüísticos que existem no Brasil, quanto à variação, também ocorrem em outros paises. A demonstração de tais ocorrências pode ser feita por meio do conhecimento das estruturas de outras línguas estrangeiras, suas variações e mudanças. Por exemplo, assim como o R retroflexo é estigmatizado no sudeste brasileiro, há estigma na pronuncia do R no final de palavras na língua inglesa americana, em Nova York. Ao apresentar essa informação ao aluno espera-se romper com o mito em se diz que os brasileiros não sabem falar a língua materna.
Dogliani (2006) destaca que a interface entre a língua francesa e a portuguesa foi importante para ela, principalmente por sua familiaridade com ambas, pois há considerações importantes sobre a variação e mudança linguística entre ambas; na primeira diz respeito à variação linguística no interior da França em relação ao francês de Paris; já a segunda diz respeito à variedade dialetal que há no imenso território brasileiro. A variação diatópica é um fator importante para conhecimento dos discentes, uma vez que ela é comum a toda as línguas. Dogliani acredita que a sala de aula de L2 é um ambiente propicio para a aplicação da semelhança e diferença entre L1 e L2 porque quando se trata desta existe um fator que desencadeia a curiosidade em relação ao perfil da língua, isto é, o estranhamento. Ela cita como exemplo o fato de que os falantes de português, ao entrar em contato com a modalidade escrita do francês, têm como reação primeira de um completo estranhamento face às convenções ortográficas que regem a modalidade escrita padrão do francês, como, por exemplo, três vogais que são pronunciadas como uma: Bordeaux / Bordó/. O mesmo pode ocorrer com os discentes franceses que estudam a língua portuguesa, como, por exemplo, escrever /TIA/ e falar /TCHIA/.
Há de se levar em conta, no ensino de L1, que os alunos usam o chamado bidialetismo funcional no dia-a-dia, ou seja, usam um dialeto em casa na comunicação familiar e outro que é usado na rua, na escola, no clube, etc. Ao professor é necessária a consciência de que tal fenômeno ocorre naturalmente. Ainda se deve lavar em conta que existe o chamado bidialetismo para a transformação, em que o aluno adquire o dialeto das classes dominantes para usá-lo na busca da igualdade de condições no discurso social. Para Dogliani (1997) a escola treina o aluno para o uso do dialeto padrão e cabe acrescentar que, concomitantemente, incentiva o bidialetismo para a transformação, quando afirma que numa entrevista para emprego dá-se preferência ao candidato que usa a norma padrão à não-padrão. Costuma dizer-se, na sala de aula, que é preciso diferir o ambiente em que vai ocorrer o uso social do discurso, para que o sujeito comunicante obtenha qualificação positiva frente ao interlocutor. Não se pode negar que o preconceito linguístico existe na sala de aula e fora dela, ainda que “do ponto de vista comunicativo todos os dialetos se equivalem”, como afirma a pesquisadora Dogliani.
A mesma valorização da aquisição do bidialetismo para transformação, proposta por SOARES (1986)[1], também é valida para a aquisição da segunda língua. Nota-se na sala de aula de L2 uma a preocupação com a variação lingüística da língua estrangeira, em aquisição. Os Professores afirmam que é preferível utilizar uma pronúncia X à pronúncia Y, em razão desta ser estigmatizada; prefere-se X porque é a variante usada pela elite e a aceita como padrão.
Retomando a questão dos estágios evolutivos da aquisição de L2, cita-se Rodrigues (2005) que observa que um aspecto importante “relativo à aquisição de uma língua-alvo diz respeito à maneira como ela pode ocorrer”. Ela pode acontecer de forma natural, uma vez que o aprendiz adquire a segunda língua usando-a ou pela instrução formal, que ocorreria dentro da sala de aula. Em ambos os casos a aquisição de L2 é possível, porém na segunda se daria de maneira mais formal, em que a norma culta é valorizada. Assim como uma criança demora certo tempo para adquirir a fala da língua materna, o mesmo ocorrer na aquisição de L2, segundo Dulay (1982)[2]. Esse processo pode durar meses ou anos, pois existe uma ordem sequencial em que uma estrutura é aprendida após a aquisição de uma outra. Esse diagnóstico é importante para os professores de línguas, pois muitas vezes exige-se de uma criança domínio de certa estrutura da língua materna, a qual ainda não foi adquirida. Estudos sobre a aquisição de L1 têm mostrado que os sons são aprendidos antes da apreensão dos grafemas, porém muitos pesquisadores da área de alfabetização e letramento acreditam que não se aprendem primeiros os sons como um todo, mas aprende os grafemas de sons pares como /P e B/, por exemplo, que são mais constantes na língua. Sabe-se também que a aquisição da estrutura de L1 também é fundamental para a aquisição de L2, pois o aprendiz de L2 utiliza-se da estrutura da língua materna. Conhecer os processos e os estágios da aquisição da linguagem é importante tanto para o professor de L1 quanto para o professor de L2.
Para Dufva, as crenças são apenas “meios de mediação usados para regular aprendizagem e a solução de problemas”. O conceito de crença, dentro de uma visão atual na área de cognição é abordado com base teórica em Watson-Gegeo (2004), que trata da evolução dos estudos da ciência cognitiva. Segundo (BARCELOS, 2006) esses estudos “incidem sobre outras maneiras de perceber e de entender a área de aquisição de segunda língua.” A pesquisadora usa duas definições para crença: a primeira diz respeito entender a crença como cognição, “unidade cognitiva de significado enraizada em redes ou cadeias de crenças.” (Riley, 1989); o segundo é entender a crença “como uma forma de pensamento, como perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências e resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação.” (Barcelos, 2006:18). Barcelos enumera algumas críticas que o paradigma da aquisição da segunda língua tem recebido, de acordo com Watson-Gegeo, que são: a dependência exclusiva do paradigma positivista, a investigação experimental sem levar em consideração os aspectos sociais e culturais dos contextos nos modelos apresentados, a base no estruturalismo e outras teorias linguísticas problemáticas e a inabilidade de produzir implicações pedagógicas que de fato funcionem na prática, especialmente no terceiro mundo.
Dufva(2003) diz que “a cognição não acontece dentro da cabeça de alguém, mas emerge do processo em progresso dentro de um sistema que consiste do individuo e de seu ambiente.” Dar-se a entender que é a relação entre o homem e o mundo que determina o processo cognitivo e tal processo evolui na vida do individuo, devido às interações sociais.
Quanto ao desenvolvimento da natureza das crenças, Barcelos afirma que no início da pesquisa de crença sobre ensino/aprendizagem de línguas – nas décadas de 70-80 no exterior e na década de 90 no Brasil – acreditava-se que crenças eram estruturas mentais, estáveis e fixas, localizadas dentro da mente das pessoas e distintas do conhecimento. Julgavam-se erradas as crenças dos alunos e dos professores, pois havia uma relação de causa e efeito entre crença e ação. Estudos recentes definem as crenças como: dinâmicas, o que significa que as crenças mudam através de um período de tempo, isto é, o que se pensa hoje sobre a aquisição de conhecimento e/ou aprendizagem pode mudar com o passar do tempo. Por exemplo, crer que dar voz ao aluno na aula de língua estrangeira prejudica a aprendizagem dos colegas de classe, assim como o ensino do professor, uma vez que o aluno pode valer-se de pronuncias erradas e contaminar a turma é uma crença que pode mudar com o passar do tempo, através experiências efetivas na sala e com a concessão de voz ao aluno sem medo de tal crença se confirmar.
A respeito da crença de que L1 influencia a aquisição de L2, há pesquisas que mostram que tal ocorrência, mas não significa que é pelo fato das didáticas das línguas serem integradas, mas uma forma natural do aprendiz de língua estrangeira recorrer à estrutura da língua materna. A pesquisa realizada por Gonzáles (2005) é uma prova de que tal fenômeno ocorre. Na análise dos dados da pesquisa feita com estudantes brasileiros de língua espanhola percebeu-se que o uso dos pronomes na escrita e na fala dos aprendizes dessa língua estrangeira recorria à estrutura sintagmática do português. Esse acontecimento é chamado por Gonzáles de fenômeno de transferência de hábitos; porém a pesquisadora esclarece que tal transferência não é a única fonte de eventuais “problemas” no processo de aquisição/aprendizagem de uma segunda língua. A pesquisa mostrou que a transferência ocorre de várias formas e não por uma simples transposição das formas de língua na outra. Gonzáles observou na amostra que alguns discentes aproximaram a gramática de L2 com a gramática de L1, mais especificamente no início da aprendizagem; o que parece não ser um fato anormal aos iniciantes em L2. A pesquisadora observou que houve certa dificuldade dos alunos em se deslocarem das características estruturais da sua língua materna, no caso o português brasileiro. Ela enumera como um dos problemas encontrado nos dados da amostragem a tendência do não preenchimento dos pronomes átonos e o preenchimento do sujeito, como no exemplo:
(1) No sé si yo (* ) caso o si yo (*) compro uma bicicleta . [español].(2) Não sei se caso ou se eu compro uma bicicleta. [português brasileiro]Esperava-se a seguinte estrutura:(3) No sé si me caso o si yo me compro uma bicicleta.(4) prof.: _ Viste la película de Almodóvar?(5)aluno: _ (*) (*) vi. [esp](6) aluno: _ vi. [port]Observa-se que o aluno respondeu a pergunta usando a estrutura do português brasileiro, omitindo o pronome obliquo átono.(7) Sí, a vi. [esp](8) eu a vi. [port.]
A norma culta do português brasileiro pede que se utilize a estrutura (8), porém o aprendiz de L2 usou a (6), que é comum na linguagem oral.
A pesquisa aponta outros problemas, como a predominante substituição dos clíticos por outras formas de realização, a preferência por formas tônicas às átonas, especialmente para a expressão do objeto indireto, emprego indiscriminados dos clíticos anafóricos, etc. Todos os problemas observados são resultantes do emprego das formas de L1 em L2. Se se pensar em ensino de L2 pode-se dizer que os problemas assinalados na amostragem estão relacionados à aquisição de uma segunda língua fundamentada em L1, porém se houvesse a integração de L1 e L2 teria-se uma ótima oportunidade de ensinar a norma culta do português brasileiro em (6), por exemplo. Se se analisar o artigo escrito por Gonzáles, observa-se que os problemas encontrados na aquisição do espanhol são decorrentes do uso da estrutura do português padrão e não-padrão na aquisição de L2. Os alunos transcrevem para a linguagem escrita o que se pratica na linguagem oral, como o não-preenchimento de pronomes átonos, o sujeito elíptico, a substituição de clíticos, etc.
No final do século passado, a investigação das crenças através da fala e da escrita era feita através do que diziam as pessoas. Fazia-se a investigação por meio de questionário fechado, o que segundo Dufva era um problema, uma vez que os dados não indicavam o que as pessoas acreditavam de fato, mas sim como elas se relacionavam com as afirmativas apresentadas pelos pesquisadores. Sobre o método de entrevista, hoje utilizado para investigar a crença, Barcelos afirma que ele é estruturado e há perguntas abertas e semi-abertas, o que mostra desenvolvimento. Também já se utiliza outros métodos como a análise de discurso e de repertórios interpretativos, análise de metáforas (na fala ou na escrita do professor) e análise de diários. Quanto aos tipos de questões investigadas tem-se que a crença e o processo de reflexão significam refletir e compreender o porquê se faz e como se faz, pois as investigações mostram os tipos de crenças que os professores trazem para os cursos de formação e como essas crenças afetam suas práticas pedagógicas de forma negativa. É por meio delas que os preconceitos sobre os alunos são refletidos e abordados sobre uma perspectiva diferente do olhar do professor, minimizando algumas crenças do destes sobre aqueles.
Uso da performance
A dramatização é um espaço para a aquisição do dialeto padrão. Dogliani (2003) diz que a representação teatral é um dos espaços que favorece a aquisição do dialeto padrão, uma vez que obriga à memorização de textos escritos em norma culta e permite uma caracterização dos diversos dialetos, uma vez que eles se realizam nas falas dos personagens. O texto teatral faz com que o aluno aprenda o dialeto padrão, uma vez que ele tem a necessidade do “bem representar” e isso permite o desenvolvimento da consciência crítica do ato da fala. Quando um aluno/autor fala como doutor, ele incorpora o personagem e perde sua própria referência. A pesquisadora acredita que o autor e personagem não se confundem e isso é uma condição básica para o desenvolvimento da postura crítica ante a aquisição de um novo dialeto, a manutenção da própria referência. Um dos problemas dessa proposta é que são poucos os alunos que gostam de representar; assim a maioria deles ficaria prejudicada em tal projeto e o objetivo principal, que é a aquisição do dialeto padrão, não seria atingido em sua totalidade. Outro problema é que tal empreendimento exige preparação(ensaios) dos alunos para a apresentação; nas escolas públicas, que não estão inseridas no ensino com tempo integral, não é possível tal empreendimento, uma vez que não se pode ocupar a carga horária do currículo com projetos desse tipo, pois ocuparia a carga horária de outras disciplinas e tão pouco os professores tem disponibilidade de horário para dedicar a um projeto desse porte, pois a maioria deles trabalha dois ou três turnos. Não se deve olvidar que haveria reclamações dos pais dos alunos que estivessem fora do projeto, por motivo já exposto acima. A falta de tempo para os ensaios pode levar os alunos a apenas lerem os textos na apresentação, o que contraria o objetivo da proposta, que é a aquisição do dialeto padrão por meio da leitura e representação.
Não se pode negar que a arte performática é importante para a aquisição de L1 e L2; excluindo os problemas expostos acima, pode-se dizer que é útil implementar tal projeto na sala de aula. Ele ganharia maior importância se houver a integração de L1 e L2, pois o gênero entrevista pode ser trabalhado em sala de aula com o objetivo da aquisição do dialeto padrão de L1 e a aprendizagem de L2. Nesse gênero textual é possível que três ou mais pessoas façam a representação: tem-se o entrevistado, que pode ser um falante da língua inglesa, por exemplo, o entrevistador, que seria um repórter, os tradutores, do português para o inglês e do inglês para o português, além da plateia que poderia fazer perguntas em inglês ou em português com o auxílio dos tradutores. Não se pode negar que um empreendimento como esse é útil a aprendizagem dos alunos e também é possível aplicá-lo à didática integrada das línguas.
O tratamento do erro
O erro é o maior desafio enfrentado pelo aprendiz. Devido à qualificação negativa, o erro tornou-se traumático para o mestre e o mesmo trauma é repassado aos discípulos. O aluno que comete deslizes de ortografia, de concordâncias ou de interpretação é qualificado como ignorante e incapaz. Por isso ele tem que iniciar o processo de aprendizagem ciente que não pode errar; como que houvesse nascido dotado de sabedoria infinita. Devido a essa concepção de erro que marginaliza o conhecimento do aprendiz e não colabora em nada para a evolução do conhecimento foi que na década de oitenta do século passado, surgiram novas concepções sobre o erro, tendo como embasamento nos estudos das teorias dos estágios de desenvolvimento cognitivo da criança.
As teorias interacionistas de Piaget, que tratam do desenvolvimento da inteligência, foi uma luz para iluminar as novas teorias sobre o erro. A definição de inteligência por essas teorias também facilitou o entendimento do que seria o erro. Para Binet(1921) inteligência seria a habilidade de desenvolver o pensamento abstrato. É isso que os aprendizes fazem ao testar uma hipótese na escrita. Piaget(1950) prefere definir a inteligência como pensamento de ação adaptativa ao meio ambiente. Nesse contexto não há erro. As teorias de Vygostsky sobre a linguagem e pensamento também serviram de base teórica para a nova concepção de erro. O erro deixou de ser um problema para o professor e tornou-se um auxiliador do processo avaliativo; é por ele que o docente tem a noção de qual estágio de aquisição do conhecimento a criança/o aprendiz se encontra. Beretta (2005) diz que “é o erro que nos leva na direção do novo”, ou seja, para descobrir o novo é preciso passar pelas experiências, as quais são passíveis de erros. A mesma pesquisadora diz que o erro, na aprendizagem da língua estrangeira é visto como normal, isto é, uma fase inicial do processo de aquisição da linguagem oral e escrita. O que se nota na sala de aula de L1 que essa concepção de erro não foi aceita pelos profissionais dessa área. As crianças são tachadas de incapazes, ignorantes. A integração de L1 e L2 poderia ser um feixe de luz para que a nova concepção esteja presente na mente dos mestres de língua materna.
Por que os aprendizes de língua estrangeira, quando erram, estão em processo de aquisição da escrita e da fala e quando os aprendizes de L1 erram são incompetentes ou ignorantes? Santos(2005) dá uma explicação para esse tratamento desigual, é que “parece que a língua materna nunca foi aprendida, que esteve sempre lá, que nos pertence”. A ideia de ser L1 inato ao aprendiz prejudica a aquisição de língua materna, assim como corrobora para o conceito de erro como ignorância do aprendiz, em escrever ou falar correto o que lhe é inato.
A ideias que se tem do erro hoje é de que ele é uma testagem de hipóteses, são experiências feitas na escrita e na fala até atingir um produto final, que seria o conhecimento e uso correto da linguagem. Por isso Beretta (2005: 294) alerta que o “erro não pode ser encarado como uma falha, mas como um desafio que precisa ser vencido e que só assim é possível levar os alunos às novas descobertas”. Para a pesquisadora, o apontamento dos erros dos alunos pelo professor não é suficiente; é necessário que eles encontrem uma nova forma de reformular as hipóteses, conscientes da suas produções, mediante uma autoanálise dos erros.
O caminho para a reformulação das hipóteses seria a reescrita, que levaria o aluno a um engajamento da linguagem. Ao falar sobre o tratamento do erro na sala de aula, Beretta (2005) diz que o erro não é mais um problema, mas um constituinte do processo de aprendizagem, por isso é fundamental a forma como o professor reage aos erros do aluno, pois conforme a reação pode haver prejuízo aos alunos. O mestre tem que ter a consciência de que ele não é um juiz, mas um intermediador na aquisição da linguagem pelo aluno, aquele que supre o elemento que está faltando ou que está errado e quando for corrigir um aprendiz, não se pode desprezar o que foi dito por ele. O ideal seria explorar, junto ao aluno, o porquê de escrever ou falar diferente do considerado padrão, porém os mestres atropelam essa fase e, imediatamente, dizem o que os alunos erraram e qual é a formula correta. São como os boticários do século dezoito que prescreviam o medicamento pelos sintomas, sem se atentarem para os motivos dos sintomas. Refletir junto com os alunos sobre o erro vale tanto para os professores de L1 quanto para os de L2. Porém o professor tem que ter a consciência dos erros que os alunos não conseguem reconhecer e ajudá-los na tarefa. Para Beretta, “cabe ao professor encontrar o ponto de equilíbrio quanto à quantidade de feedbak e evitar a correção punitiva, que desvaloriza e rotula o aprendiz”. Ele precisa ter a consciência de quando corrigir, o que corrigir e como corrigir, uma vez que o que produz proficiência linguística na escrita é mais a quantidade de produção escrita que o aluno faz do que o modo como é feita a correção.
A integração das disciplinas de língua estrangeira e língua materna é um projeto interessante para ser implementado na sala aula, pois permite a reflexão sobre a variação e mudança linguística, assim como o conhecer das estruturas de outras línguas para entender as estruturas da língua materna. Integrar o ensino de língua materna e estrangeira é uma alternativa para mostrar aos alunos que há variações lingüísticas em todas as línguas. Cabe aos professores de L1 e L2 a tarefa de criarem alternativas de ensino aprendizagem que levem os alunos ao se interessarem pela aquisição da fala e da escrita padrão de ambas as línguas, assim como conhecer e respeitar as variações lingüísticas.
A aplicação da arte performática na sala de aula é útil para as duas disciplinas, porém há que se pensar a maneira de introduzi-la na sala de aula, quais os métodos a serem usados e a possibilidade de participação de todos os discentes no teatro.
E por fim, o erro deve ser tratado na sala de aula embasado pelas teorias psicológicas, isto é, ele é um processo que faz parte do desenvolvimento cognitivo do aprendiz e, portanto, não significa ignorância. Ao se trabalhar com língua estrangeira há a possibilidade de o aprendiz usar a estrutura da língua materna na fala ou escrita de L2, mas isso significa que os estudantes relacionam o cruzamento das cadeias da língua materna e a língua em aprendizagem; esse processo não é generalização das regras e tampouco é resultante de uma escolha psíquica arbitraria, mas, sim testagem de hipóteses.
REFERÊNCIAS
BARCELOS, Ana Maria Ferreira. Cognição de professores e alunos: tendências recentes na pesquisa de crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas. In: BARCELOS, Ana Maria Ferreira & ABRAHÃO, Maria Helena Vieira. Crenças e Ensino de Línguas: foco no professor, no aluno e na formação de professores. Campinas. Pontes Editores, 2006.
BERETTA, Juliana Maria. A correção de erros: inimiga ou aliada. In: FONTANA, Niura & LIMa, Marília dos Santos. Língua estrangeira e segunda língua: aspectos pedagógicos. ? . EDUC, 2006. págs. 293-333.
DOGLIANI, Eveline. Sensibilidade à linguística em L1, através do ensino de L2 e da didática integrada de línguas. Conferência proferida durante o IV fórum internacional de ensino de línguas estrangeiras – junho de 2006 – Pelotas.
______________. Artes performáticas e aquisição de norma culta. In: o corpo em performance: imagem - texto – palavra. Belo Horizonte. NELAP/FALE/UFMG, 2003.
______________. Por uma leitura “transversal” na aquisição do dialeto padrão. In: reflexões sobre a língua portuguesa - ensino e pesquisa. Campinas. Pontes, 1997.
GONZÁLES, Neide T. Maia. Quantas caras tem a transferência? Os clíticos no processo de aquisição/aprendizagem do espanhol/língua estrangeira. . In: ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras: reflexão e pratica. ?. 2005, págs. 53-70.
RODRIGUES, Bernadete Marie da Silveira. Estágios evolutivos de formação de perguntas em inglês como língua estrangeira por aprendizes brasileiros submetidos à instrução com foco na forma. In: FONTANA, NIURA & LIMA, Marília dos Santos. Língua estrangeira e segunda língua: aspectos pedagógicos. ? . EDUC, 2006, págs. 256-292.
SANTOS, Hélade Scutti. O erro do aluno de língua estrangeira sob um outro olhar. In: ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras: reflexão e pratica. ?. 2005, págs. 37-52.
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