O medo abordado na literatura: morte
Este artigo foi apresenta na Universidade Federal de Minas Gerais/Faculdade de Letras na disciplina Literatura Brasileira.
Por Geraldo Genetto PereiraProfessor, escritor, blogueiro, youtuber.Formação: Licenciatura e Mestre em Letras pela UFMG.
O tema mais recorrente à linguagem é a morte. Tem-se medo de tudo: doença, desemprego, tristeza, solidão e, na atualidade, devido à agitação da vida moderna, a fobia denominada síndrome do pânico; porém a mais propalada é a morte.
A partir do momento em que o indivíduo passa compreender o mundo em que vive, ele se depara com esta mística palavra. “De todos os temas melancólicos, qual, segundo a compreensão universal da humanidade, é o mais melancólico? A morte – foi à resposta evidente. E quando – insistir esse mais melancólico dos temas se torna o mais poético? (POE, p.410). É uma boa pergunta, afinal, este tema é o mais usual na literatura, seja qual for o estilo. Uma ação passiva ao fenômeno poderia qualificá-lo como belo, pois morrer ou relacionar-se intimamente com a morte não possui nada de belo. A citação diz respeito à poética e isso vem de encontro da análise que se fará neste texto. O foco poético será as poesias de Gonçalves Dias, as quais possuem uma relação íntima com o tema, porém tal análise não significará dizer que as obras poéticas do século XIX foram as mais recorrentes à palavra morte, pois ela está circunscrita na antiguidade literária. É possível que tema morte esteja tão íntimo à literatura devido ao ciclo vital: nascer, crescer, reproduzir e morrer.
A morte possui tanto sentido concreto e abstrato; apesar de se ligar mais à melancolia, haverá situações que se aproximará da alegria. Quando ela relaciona a algo que aterroriza a alguém, tal como uma pessoa que não é aceitável a uma comunidade, devido aos atos indecorosos, a morte desta é recebida com alegria.
É difícil afirmar que o poeta possui relação passiva ou ativa com o tema morte. Se se diz que a relação dele está ligado à beleza; é coerente citar o escritor Poe que diz que “quando ele se alia, mais de perto à beleza, a morte, pois [...] é, inquestionavelmente, o tema mais poético do mundo”.(Poe, A.E. p.410). Somente uma ação passiva ao fenômeno pode qualificá-lo como belo, pois morrer ou se relacionar intimamente com a morte não possui tal característica para a maioria dos seres humanos. Sabendo disso, o poeta, por meio de paradoxo, promove a interatividade entre leitor e texto, pois se utiliza um tema arrepiante como produto poético.
A afirmativa de que a morte é um tema mais poético do mundo é consequência das inúmeras aparições do tema na poesia. Gonçalves Dias faz várias referências à morte em suas poesias. Por exemplo, o poema morte é constituído por uma narrativa que traz um diálogo eu-lírico com a morte. “Vi formada uma beleza, cheia de encanto, de amor” (Dias, s.d.; p.74). Nesse trecho, percebe-se que o terror à morte é substituído por admiração. Cabe a pergunta: como poderia a morte, que ceifa as vidas, ser repleta de amor, de inocência e responsabilidade? Algumas versos, que estão na poesia citada, contêm a resposta para esta pergunta. Veja o que diz a personagem.
[...]
Assim dizia - tu julgas
Que não tenho coração
Que executo meus deveres
Sem pesar, sem aflição?
- Que ainda flor da vida arranco
ao jovem sem compaixão
à donzela pudibunda
Ou ao longevo ancião?
- Oh! Não, que eu sofro martírio.
Do que faço ao mais sofrer
Sofro dor de outros morrem
De que não posso morrer
- Mas em parte a dor me cura
Um pensamento que é meu
Lembro aos humanos que a terra
É só passagem para o céu.
Esse versos podem contêm uma resposta ao questionamento do interlocutor da morte. Por meio deles, podemos perceber uma ruptura poética com o medo, uma vez que o eu-lírico é capaz de entrevistar aquilo que mais assusta aos humanos, a morte. Essa diz ao interlocutor que as inferências que ele faz faz não são verdadeiras, porque ela não tem prazer na morte dos humanos e desejaria passar pela morte, porém isso não é possível, por isso, se apraz em permitir a passagem dos homens ao céu. Vê-se que nos versos acima, o poeta usa adjetivos que são incomuns à morte, tal como compaixão, tristeza e ações como trabalho, matar sem prazer.
Pode-se verificar que nos verso do poema acima, morte tem a preocupação de mudar o pensamento do homem com relação as ações dela. Através da narrativa, pode-se dizer que o objetivo do poeta é mostrar ao leitor que não há necessidade de temer a morte, pois, ela apenas executa um ofício que lhe é outorgado, uma vez que a vida é transitória. Sua missão é permitir que aos humanos passem da terra para o céu, sendo um favor que ela faz aos terrestres. Nesse sentido, a acusação se inverte: a morte, que era culpada de tirar a vida dos seres terenos, torna-se vítima dessa ação, pois é forçada a realizar tal trabalho, todavia é acusada de cruel.
A morte, para o poeta, é um ser concreto, com qual o homem precisa se relacionar, ou seja, ser capaz de compreende e respeitar a profissão que exerce: matar. Assim, a morte não causará medo ao homem, pois esse sabe que um dia ela virá cumprir oficio designado, que é de enviá-lo ao céu. A narrativa dessa poética é diferente de outras que tratam do mesmo, como as obras de Edgar Alan Poe, pois há um contraste da realidade incutida na mente humana, levando o leitor a um relacionamento diferenciado com a morte, mudando assim até mesmo a visão que o próprio poeta tem dela: “Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá”. (Dias, s.d: p.22). Nesses versos vê-se que ser retirado da terra antes do momento desejável pelo poeta cause-lhe angústia e repúdio à morte. Nesse caso, o sentimento de perda o impede de aceitar a ação da morte. Para um ser humanos, aceitar o trabalho da morte não faz sentido, pois, sabe que ela causa tristeza a quem perde um ente querido. Ciente disto, o eu-lírico faz um alerta às mulheres espanholas que permitiram os maridos lutarem contra os nativos das Américas: “seu marido já é morto, noticia dele não soa, pois esta gente guerreira, bastos ceifa a morte à toa”.(-----. p.38). Ele sabe que a morte, para os humanos, é cruel e, por isso, tenta alertar quem ousar enfrentar os nativos americanos, pois a morte lhes é aliada, ceifando à toa - sem motivo, os oponentes dos índios. Se se não teme àqueles, porém a esta jamais deve enfrentar.
Através dos poemas analisados neste texto, pode-se ter uma noção de como o medo da morte foi trabalhado nas poesias do poeta indianista. Pôde-se perceber que o leitor não possui uma relação íntima com ela, uma vez que lhe causa terror. A realidade do imaginário humano é exposta: “não faça isso, senão você morrerá", "não coma isso que pode te matar”. Diferente a esse posicionamento sobre a ação da morte, o texto de Dias contém uma narrativa em que o eu-lírico é "íntimo" à morte. Logo, o poeta, conseguiu inovar em relação à temática, pois, a morte sempre foi repudiada pelos humanos, mas acaba obtendo louvor por meio de um poema, no o qual lhe é permito fazer um desabafo. Numa linguagem adaptada à modernidade tecnológica, diz-se que lhe fora aberto o “microfone” da poesia e que agora pode-se defender das acusações que a foram imputadas a séculos. Pode-se comparar o ato como uma ação de direito de resposta, o qual é a concessão a réplica no jornalismo, ou seja, a morte que sempre foi acusada, na literatura e outros, de praticar ato de crueldade contra humanos, agora, o poeta lhe concede o direito de responder a essa acusação. Essa defesa ocorre de forma ininterrupta, pois, a morte se calara a dezenas de séculos e momento poético se torna único, por isso, ela não deveria ser interrompida pelo interlocutor. Percebe-se que o cenário é construído semelhante à um tribunal, onde cada agente respeita o tempo de fala determinado.
A construção da narrativa do poema é maravilhosa, pois, ao final do discurso da vitima, o eu-lírico a inocenta e transfere a culpa ao homem, uma vez que ela sempre sofreu a dor de praticar a ação de matar, ceifa as vidas, mas isso é necessário, porque permite a passagem dos humanos ao céu. A pergunta final do eu-lírico ao leitor poderia ser: por que ter medo da morte se ela está a serviço dos humanos? Se a morte possui sentimentos e realiza o dever que fora 'outorgado', de simplesmente concluir o ciclo vital do homem, não há necessidade de temê-la, tampouco de acusá-la de ‘sem coração’.
Outro ponto importante na narrativa do poema, é a concessão de beleza à ação da morte, um temática pouca explorada em livros literários. Apesar da morte assustar o mundo real, com esse, ela tem uma relação intimidade, estando presente tanto linguagem escrita quanto na oral. Logo, o eu-lírico permite que ela se defenda das acusações que são imputadas pelos humanos, um ser que amedronta as pessoas. É coerente dizer que o poema de Gonçalves Dias é forma inovadora de falar da morte. O poeta foge do estereótipos tradicionais que contêm adjetivos pejorativos, assim como apresenta um maneira distinta de lidar com a morte, apresentando o ser humano como corresponsável pela ação da morte. Isso é uma maneira de fazê-lo refletir que, sem a morte, não é possível concretizar o ciclo vital terrestre e se transferir para o céu. Também leva o leitor a refletir sobre as reclamações contra a morte, porque, se aqui na terra, ele culpa a morte pela crueldade e ceifar a vida, no habitar celeste, o Arcanjo do Senhor, a morte, também reclama de tal oficio que lhe fora ofertado, transportar o homem da terra ao céu.
DIAS, Gonçalves. Obras completas. São Paulo. Editora cultura, 19..
POE, Edgar Allan. Poesia e prosa. Rio de Janeiro. Editora Ediouro, s.d.
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