Projeto - mídia televisiva - poder e manipulação

Este projeto foi apresentado na Universidade Federal de Minas Gerais/Faculdade de Educação, na disciplina: Didática de Ensino.
Por Geraldo Genetto Pereira
Professor, escritor, blogueiro, youtuber.
Formação: Licenciatura e Mestre em Letras pela UFMG.
Público alvo
O projeto de trabalho aqui proposto se destina a alunos do Ensino Médio.

Problema
Trabalhar a questão da mídia televisiva e suas correlações com o poder e a questão ideológica é um tema amplo. Ao pensarmos pela mídia como tendo diversas funções em nossa sociedade, surgem várias questões: 
  • Até que ponto a mídia e o advento da comunicação de massa contribuem para a democratização da informação?
  •  Até que ponto a informação recebida é manipulada? 
  • Até que ponto a televisão funciona como meio de entretenimento? 
  • Até que ponto a televisão funciona como instrumento de alienação? 
Como podemos perceber, há diversas contradições acerca da mídia que aparecem a partir do levantamento das questões.

Justificativas
A televisão é um instrumento de comunicação que permeia todas as camadas da nossa sociedade e está presente no cotidiano do homem contemporâneo. Ao abordarmos a questão da mídia correlacionada à questão do poder, abrimos espaço para que os alunos possam discutir e refletir acerca das influências e contradições da mídia televisiva. Isto permite que possamos construir, junto com os alunos, uma consciência crítica acerca de um meio de comunicação tão presente em nossas vidas, abrindo espaço para que os alunos não sejam apenas receptores passivos, mas seres questionadores e cidadãos, capazes de tecer críticas – positivas ou negativas – acerca das coisas que permeiam o cotidiano e, mais ainda, a sociedade contemporânea em que estamos inseridos.

Objetivo
  • Objetivo geral
Construir, através de discussões e questionamentos, uma visão crítica acerca da mídia televisiva.
  • Objetivos específicos
    • Desenvolver habilidades de socialização em grupo.
    • Fazer com que os alunos lidem com diferentes tipos de linguagem –textos, poemas, vídeos –que possam servir de instrumental para a reflexão.
    • Refletir acerca de questões da sociedade contemporânea e do papel da televisão nesta sociedade.
Fundamentação teórica
Ao tratarmos da mídia televisiva e de suas correlações com o poder, convém nos interrogarmos acerca da natureza de saber que este tipo de veículo midiático traz à tona e sobre os efeitos de verdade que ele visa.

Em relação aos efeitos de verdade, como o próprio nome sugere, eles dizem respeito à verdade em si –ou, nas palavras de Charaudeau (1997:48) “não se trata de ser verdadeiro” –mas, sobretudo de crer que aquilo é verdadeiro. Contrariamente ao valor de verdade, que se apóia na evidência, o efeito de verdade se apóia na crença, o que faz com que se leve em conta os saberes do opinião. Dessa forma, o efeito de verdade está inserido num dispositivo enunciativo de influência psicossocial em que cada um dos parceiros adere ao universo de pensamento e de verdade do outro. Verdade e crença instalam, portanto, uma diferença entre dois tipos de saber e estão intrinsecamente ligadas ao imaginário social de cada grupo.

Quanto à natureza do saber, Charaudeau (1997) postula que há basicamente, dois tipos de saber: os saberes de conhecimento, que dizem respeito a “uma representação racionalizada sobre a existência dos seres e dos fenômenos sensíveis do mundo” (tradução livre da p.44)[1] Este saber está relacionado a métodos empíricos e técnico-científicos utilizados pelo homem para tornar o mundo inteligível da maneira mais objetiva possível. Já os saberes de crença não existem por si mesmos, mas são resultantes do olhar subjetivo do homem sobre o mundo. Eles representam uma tentativa do homem de avaliar o mundo e de julgá-lo quanto ao seu efeito sobre o próprio homem e suas regras de vida. Estas crenças dizem respeito à maneira como se instauram as regulações das práticas sociais a partir da criação de normas efetivas de comportamento, mas também a partir da criação de normas ideais, que estão diretamente relacionadas com os imaginários de referência dos comportamentos (o que se deve e o que não se deve fazer) e com os imaginários de justificativa destes comportamentos (porque isto é bom ou ruim).

Isto significa que há um olhar do outro que julga o comportamento como positivo ou negativo, sob normas que foram estabelecidas socialmente e que são validadas através de diferentes evidências: éticas (o que é bom ou ruim); estéticas (o que é bonito ou feio); hedônicas (o que é agradável ou desagradável); pragmáticas (o que é útil ou inútil, eficaz ou ineficaz). Estas “evidências” advêm de julgamentos muito ou pouco estereotipados que circulam na sociedade e são representativos de um determinado grupo que os instaurou, servindo como modelo de conformação social. Em conclusão, as representações socais se apoiam na observação empírica da prática de trocas sociais e fabricam um discurso de justificativa daquilo que faz com que se coloque em prática um determinado sistema de valores eleito como norma de referência.

Assim, é produzida uma certa categorização social do real que testemunha aquilo que é “desejável” por um determinado grupo social a partir de sua experiência cotidiana, da forma como este grupo vê e torna o real inteligível através de um metadiscurso revelador de seus posicionamentos. Isto nos leva a admitir que as representações sociais revelam um desejo social, produzindo normas e trazendo à tona os sistemas de valores. Como  há o curta-metragem  A Mulher Fatal encontra o Homem Ideal (1987) que trata dessas questões.

Metodologia
O projeto será dividido em etapas, cada uma das quais contemplará uma atividade.
  • Etapa 1: Mídia televisiva e informação
Nesta etapa, discutiremos a importância da mídia televisiva enquanto elemento de democratização da informação, procurando traçar um histórico do advento da mídia de massa e a evolução das comunicações no século XX.

Atividade
Em pequenos grupos, os alunos farão uma micro-entrevista com algumas famílias. Nessa entrevista seria feito um levantamento a respeito dos seguintes itens:
  • Fatores sociais (faixa etária, renda familiar, sexo, grau de instrução, etc.
  • Horário mais comum em que se assiste à televisão.
  • Os programas mais assistidos e o motivo.
  • O grau de confiabilidade nas informações transmitidas pelos programas.
Com objetivo de buscar a validação das informações recebidas através de outras formas de comunicação, os alunos elaborarão as perguntas de acordo com os itens acima – e outros que porventura acharem relevantes – e, após a entrevista, socializarão as respostas com o restante da turma.

  • Etapa 2: Mídia televisiva e manipulação
Exibir do documentário “Muito além do Cidadão Kane”. Documentário de Simon Hartog produzido em 1993 pelo canal 4 da BBC. O documentário discute o poder da Rede Globo e teve sua exibição proibida no Brasil.

Atividade
Solicitar aos alunos que reproduzam algumas “chamadas” do “Jornal Nacional”, exibido diariamente pela TV Globo, com o fim de caracterizar a pouca profundidade de suas notícias, ou seja, sua superficialidade. A partir dessa conscientização, estender a discussão para a questão da alienação, da indução do telespectador etc.
  • Etapa 3: Mídia televisiva e alienação
Exibição do curta-metragem “A mulher fatal encontra o homem ideal”, de Carla Camurati. Neste curta, é mostrada uma dona de casa pobre cujo único bem é uma televisão. Esta dona de casa se envolve passionalmente com a história de amor de uma novela, se alienando nesta história que a faz “esquecer” das dificuldades reais em que se encontra.

Atividade
Promover uma discussão que leve em consideração os aspectos de alienação promovida pela televisão, pedindo aos alunos que listem programas em que eles acham que há uma indução à alienação, fazendo uma correlação com o curta assistido. Antes, pedir aos alunos que empreendam uma pesquisa teórica sobre o conceito de “alienação” e exponham o que encontraram e entenderam sobre o conceito.
  • Etapa 4: Mídia televisiva e espaços alternativos
Apresentação de redes alternativas de televisão – TV Cultura, TV Futura, Rede Sesc/Senac, Rede Minas, etc. Exibir programa de jornalismo alternativo como “Observatório da Imprensa”.

Atividade
Solicitar aos alunos que comparem as reportagens produzidas pelo programa “Observatório da Imprensa” e pelo “Jornal Nacional”, objetivando criar um espaço de reflexão crítica, tanto acerca de aspectos técnicos, quanto acerca de aspectos ideológicos que permeiam a questão do fazer jornalístico.

Cronograma
O cronograma abaixo compreende cada uma das etapas gerais do projeto, assim como as etapas específicas de elaboração das atividades de cada etapa geral.
  • Etapa 1: 1 aula para exposição teórica (50 min)
Atividade 1: -1 aula para elaboração das perguntas (50 min)
- 3 aulas para realização das entrevistas (150 min)
- 1 aula para apresentação dos resultados (50 min)
- 1 aula para discussão qualitativa dos dados (50 min)
- TOTAL: 6 aulas (300 min/ 5h)
  • Etapa 2: 1 aula para apresentação e exibição do documentário (50 min)
Atividade 2: -Reprodução das chamadas do jornal (em casa)
- Meia aula apresentação das chamadas selecionadas (25 min)
- 1 aula e meia para discussão crítica das chamadas apresentadas (75 min)
- TOTAL: 3 aulas (150 min/ 2h30min)
  • Etapa 3:- 1 aula para apresentação e exibição do curta-metragem (50 min)
Atividade 3: -1 aula para apresentação e discussão do conceito de “alienação”
(50 min)
- 1 aula para discussão crítica do curta-metragem (50 min)
- TOTAL: 3 aulas (150 min/2h30min)
  • Etapa 4: -1 aula para apresentação de redes alternativas de televisão –mostrando a proposta de cada uma delas e a programação geral (50 min)
Atividade 4: exibição do programa “Observatório da Imprensa” (50 min)
- Reprodução das chamadas do “Observatório da Imprensa” (durante a exibição do programa em sala)
- 1 aula para elaboração, em pequenos grupos, da comparação dos aspectos técnicos e ideológicos entre o “Observatório da Imprensa” e o “Jornal Nacional” (50 min)
- Meia aula para sistematização geral das comparações feitas por cada grupo (25 min)
- 1 aula e meia para discussão crítica das comparações (75 min)
- TOTAL: 6 aulas (300 min/5h)

Tempo total
(Apenas uma sugestão, pois, o tempo pode ser reduzido ou ampliado)
  • Total geral de aulas disponibilizadas para a realização da oficina: 18 aulas.
  • Total geral de horas disponibilizadas para a realização da oficina: 15 horas (900 min)
Referências bibliográficas
A MULHER Fatal Encontra o Homem Ideal. Carla Camurati. Curta-metragem Rio de Janeiro, 1987 [s.n.]. 1 videocassete (30 min), sonoro, colorido.
CHARAUDEAU, Patrick. Le discours d’information mediatique: la construction du miroir social. Paris: Nathan, 1997.
CONY, Carlos Heitor. Insônias. Folha de S. Paulo, 13 abr. 2002. Opinião. (Texto adaptado)
HERNÁNDEZ, Fernando. Os projetos de trabalho: uma forma de organizar os conhecimentos escolares. In: A organização do currículo por projetos de trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. (5a. ed)
MUITO além do Cidadão Kane. Simon Hartog. Documentário. Londres: BBC, 1984. 1 DVD (30 min.), sonoro, digital.
PAES, José Paulo. À televisão. In: Prosas seguidas de odes mínimas. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.72.






9. ANEXOS
Insônias
Carlos Heitor Cony


Um dos argumentos usados para promover a venda de canais a cabo foi o da insônia. A TV dita aberta tinha o hábito de sair do ar por volta das duas da manhã . alguns canais saíam antes, outros depois.
Aqueles que, por um motivo ou por outro, não estavam dormindo nem fazendo coisa melhor e ligavam o aparelho em busca de alguma coisa para ver ficavam condenados aos chuviscos; um ou outro canal mais afoito colocava o .colorbar., e tudo ficava por isso mesmo. Com o advento da TV por assinatura, os insones poderiam dispor de entretenimento, cultura, lazer, o diabo.
Pois sim. Outro dia , aliás, outra noite dessas ., dormi a tarde inteira e, à noite, fiquei sem sono. Fui testar as maravilhas prometidas pelas duas TVs a cabo que aluguei.
Por Júpiter! Nada daquilo me interessava. Não pretendo comprar tapetes, não vou adquirir complicadíssimos aparelhos de malhação, não rezo o terço bizantino, não posso nem quero testar as receitas culinárias oferecidas e demonstradas.
A vida sexual dos golfinhos nunca me interessou e minhas preocupações presentes, passadas e futuras não estão nas grutas pré-históricas do Tibete. Tampouco preciso exorcizar os demônios que me freqüentam, convivo bem com todos eles.
Mudei o canal para uma cena incompreensível. Dois javalis ou coisas equivalentes disputavam uma fêmea, acho que da mesma espécie. Era um pornô animal narrado cientificamente por um especialista de um instituto canadense.
Apertei mais uma vez o controle remoto e vi um sujeito barbado lendo um texto apocalíptico e anunciando o fim do mundo. Ao contrário de me despertar, deu-me um sono letal. E voltei para a cama, donde não deveria ter saído.


À TELEVISÃO
José Paulo Paes
Teu boletim meteorológico
me diz aqui e agora
se chove ou se faz sol.
Para que ir lá fora?
A comida suculenta
que pões à minha frente
como-a toda com os olhos.
Aposentei os dentes.
Nos dramalhões que encenas
há tamanho poder
de vida que eu próprio
nem me canso em viver.
Guerra, sexo, esporte
. me dás tudo, tudo.
Vou pregar minha porta:
já não preciso do mundo.

[1] Ce sont les savoirs Qui procèdent d’une représentation rationalisée sur l’existence des êtres et des phénòmenes sensibles du monde.

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