Gilberta Soares - O 8 de Março representa um dia de luta pelos direitos das mulheres, resultado de muitas lutas, movimentos de denúncia do machismo, reivindicações por direitos trabalhistas, direitos sociais e participação política. Faz lembrar a ação histórica do movimento de mulheres do século XIX, tendo como cena principal a greve de trabalhadoras de uma indústria têxtil em Nova York por melhores condições de trabalho em busca de melhores condições e direito ao voto. O movimento foi reprimido com violência e muitas mulheres morreram.
Em 8 de março de 1908, trabalhadoras do comércio de agulhas de Nova Iorque foram as ruas para lembrar o movimento de 1857 e exigir o voto feminino. E também foram reprimidas. Na conjuntura política atual, o 8 de Março significa um momento de muita resistência e luta política para garantia de direitos diante do contexto sociopolítico de ameaças e perdas de direitos já conquistados por mulheres negras, índias, quilombolas, trabalhadoras rurais, professoras, jovens, idosas, deficientes. É um momento de alerta para todas as desigualdades e preconceitos que recaem sobre as mulheres.
O governo do Estado, por meio da Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana, nesse mês de março lançou a campanha de mídia digital “Valorização e Cidadania – Somos Mulheres, Temos voz & Temos Vez”.A SEMDH participou da mobilização do 8 de Março, participandoda greve internacional de mulheres, envolvendo mais de 40 países. Seguimos com a programação durante todo o mês de março com mais de 40 atividades, em parceria com outros órgãos e secretarias do governo, como a educação, saúde, segurança pública, orçamento democrático e Procase.
PM - Qual a importância da luta diária em prol do empoderamento Feminino?
Gilberta Soares - A mudança nas relações de gênero e a efetivação dos direitos das mulheres passam pelo empoderamento das mulheres, que devem ser as principais protagonistas de suas conquistas. Para vivenciar esse empoderamento é necessário que mulheres exerçam sua liberdade de expressão, como um todo, que vivenciem sua autonomia, com independência econômica, determinação pessoal e auto estima e que possam participar das decisões da vida pública e de sua vida pessoal, tendo poder de decisão.
Para isso, é importante o compromisso da sociedade com a promoção da equidade de gênero,nas esferas cultural, social, política e econômica. Isso significa fortalecer e impulsionar o trabalho das mulheres, com igualdade de oportunidades, de salários e o reconhecimento do trabalho realizado por mulheres. É preciso que a economia se mova com incorporação de práticas de equidade de gênero. Para isso, é preciso ter lideranças sensíveis à igualdade de gênero, tratamento igualitário para mulheres e homens no mercado de trabalho,valorização do trabalho doméstico e divisão desse trabalho com os homens, formação e capacitação profissional das mulheres, incluindo áreas historicamente masculinas, apoio ao empreendedorismo das mulheres, políticas públicas que apoiem o trabalho doméstico como creches, e ampliem o acesso ao mercado de trabalho.
Para as mulheres negras e lésbicas, esse empoderamento requer o enfrentamento as discriminações de raça e orientação sexual quando o machismo e o racismo se retroalimentam, assim também acontece com a lesbofobia. Realmente, é um trabalho diário que requer constância e energia, sinergia coletiva, além de propósito político.
PM - Por que trabalhar pela equidade de gênero?
Gilberta Soares - Para enfrentar as desigualdades históricas entre mulheres e homens, que colocam as mulheres em lugar de subordinação em relação aos homens. Numa cultura sexista e machista, os homens são os referentes que mantem o poder nas relações de gênero. A equidade de gênero é a forma de buscar equilibrar essa balança, através da ruptura com a subordinação das mulheres aos homens. Não existe uma democracia plena sem a garantia dos direitos das mulheres em sua diversidade. Assim como não podemos falar de direitos humanos universais sem a garantia dos direitos humanos das mulheres, como direito a viver uma vida sem violência de gênero, o direito as suas escolhas reprodutivas.
A promoção da equidade de gênero é uma responsabilidade do poder público, dos organismos internacionais.Isso significa desenvolver estratégias, ferramentas e posicionamento político que possibilite igualdade de direitos, oportunidades e responsabilidades entre mulheres e homens. Sendo a Lei Maria da Penha resultante da luta das mulheres e da compreensão de que a violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos.
Para fortalecer a equidade de gênero no estado da Paraíba, o Governo do Estado assinou o Termo de Compromisso nº001/2015 com 40 municípios para a implantação de órgãos de políticas públicas específicas para mulheres. As gestoras fizeram um curso de capacitação com 60 horas aulas. Nesse mês de março, a SEMDH entregou material de comunicação para Gestão de Políticas Públicas para as Mulheres – banner, caderno de textos, faixas, placas de sinalização e cartazes. Ainda este semestre, serão entregues equipamentos e mobiliários aos 40 municípios.
PM - Como começou a sua vida pública em prol da equidade de gênero?
Gilberta Soares - Desde a universidade, comecei a militância pelos direitos das mulheres, fundando um grupo de jovens feministas na cidade de Campina Grande que atuou junto com outras feministas mais velhas, que retornam do exílio no período da anistia brasileira. Naquele momento, iniciamos as reivindicações por delegacias especializadas de atendimento a mulher (DEAM), pelo Programa de Assistência Integral a Saúde da Mulher (PAISM), pelo Conselho dos Direitos da Mulher (CMDM), entre outras demandas.
Como fundadora e integrante da ONG Cunhã Coletivo Feminista, tive a oportunidade de acompanhar a implantação de políticas públicas para mulheres a partir do olhar do controle social e de reivindicar outras políticas através de estratégias de advocacy, como o Programa de assistência saúde das mulheres vítimas de violência sexual. Oficinas, seminários, campanhas educativas, entrevistas para a imprensa, elaboração de material educativo, assessorias, consultorias, representação em articulações nacionais feministas... Essa foi uma longa trajetória de 20 anos de atuação em prol dos direitos das mulheres e da equidade de gênero.
Em 2011, iniciei o trabalho como gestora pública da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, na equipe do governador Ricardo Coutinho, tendo a oportunidade de implantar e implementar políticas públicas pela equidade de gênero no estado da Paraíba.
PM - Violência contra a mulher. Qual o melhor caminho para combater este mal?
Gilberta Soares - O complexo fenômeno da violência contra as mulheres, como a violência doméstica e sexual,exige um olhar transversal e políticas públicas amplas. A violência doméstica como expressão do machismo, espraiado na cultura, demanda a mudança de mentalidades e de uma cultura sexista, que implica na necessidade de ações educativas e preventivas. São necessárias também ações de punição de agressores, de assistência as mulheres e famílias e a participação das mulheres, através dos movimentos sociais organizados.
Visando diminuir os índices de homicídios de mulheres e das outras formas de violência contra as mulheres, o governo do estado vem desempenhando uma política sistemática de enfrentamento a violência contra as mulheres, com a ampliação do número de DEAMS, que passaram de 09 para 13 unidades e mais dois núcleos especializados em delegacias distritais. Foi implantado o Programa Mulher Protegida pela Secretaria de Segurança e Defesa Social que envolve uma séria de ações, incluindo o dispositivo SOS Mulher. O SOS Mulher Protegida tem por finalidade fazer o monitoramento das medidas protetivas de urgência, deferidas pelo poder judiciário em favor da mulher em situação de violência doméstica e familiar. A mulher que se encontra ameaçada, e tem medidas protetivas, recebe das Delegacias da Mulher um aparelho celular com aplicativo através do qual pode se comunicar com a Policia Civil.
A SEMDH implantou dois equipamentos públicos para atender mulheres em situação de violência doméstica e sexual: o Centro Estadual de Referência da Mulher, em Campina Grande, que oferece atendimento psicossocial e jurídico e a Casa Abrigo Aryane Thais, que abriga mulheres e filhos com ameaça de morte. Realiza capacitações com profissionais de diversas áreas para atendimento em consonância com a Lei Maria da Penha. Outras políticas são executadas, de forma intersetorial, envolvendo órgãos e secretarias de estado, como: o acesso a linhas de créditos, inserção em programas habitacionais, assistência saúde da mulher em situação de violência. A SEMDH tem também um papel fundamental no fomento as Redes Municipais de atenção às mulheres em situação de violência doméstica e sexual, envolvendo assistência social, segurança pública, saúde, educação, conselhos tutelares – incentivando de forma permanente a atuação dos municípios.
PM - Como confrontar a cultura machista tão presente na nossa sociedade?
Gilberta soares - A ruptura com a cultura machista e cotidiana e exige um esforço coletivo de questionamento profundo e de práticas de resistência. As atitudes de resistência das mulheres precisam estar espalhadas em diversos espaços da sociedade no sentido da desconstrução do paradigma de subordinação das mulheres, baseada na pretensa inferioridade feminina. Desde a oferta de educação, em casa e na escola, não sexista para crianças e adolescentes até a academia com a produção de conhecimentos que visibilizem a história e a participação das mulheres a sociedade e a construção de epistemologias feministas que confrontem a cultura machista.
Como parâmetros jurídicos, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, que punam as práticas de discriminação e violência contra as mulheres. Para enfrentar o machismo, é preciso denunciar e desconstruir a cultura do estupro, vigente no país, que naturaliza a violência sexual como prática aceitável no comportamento de homens em corpos femininos-objetos. A cultura do estupro faz parte do machismo e baseia-se no conjunto de crenças e valores que respaldam a violência contra a mulheres e encorajam as agressões sexuais masculinas.
As ações coletivas de grupos de mulheres, a união de mulheres nas ruas, as ações em redes sociais que expressam as vozes das mulheres são parte significativo desse enfrentamento, assim como a solidariedade entre mulheres.
PM - Quais as principais ações já praticadas pelo senhora pelos locais por onde passou?
Gilberta Soares - Fui sócia fundadora da ONG Cunhã Coletivo Feminista/PB e integrei redes e articulações de organizações feministas brasileiras, como a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e a Rede Nacional Feminista de saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (RFS) e representei o movimento feminista em fóruns locais, nacionais e internacionais. Atuei como secretaria Executiva das Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro. Integrei o Grupo de trabalho da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde para formulação da Norma Técnica de Assistência Humanizada ao Abortamento e a Câmara temática sobre violência doméstica e sexual que propôs políticas de atenção à mulher em situação de violência. Integrei a Comissão interinstitucional que elaborou o protocolo de atendimento do Programa de assistência a mulheres vítimas de violência Sexual (PAMVVS) da Paraíba. Realizei oficinas, debates, conferências, ações de advocacy, seminários diagnósticos e pesquisas sobre saúde da mulher, sexualidade, direitos reprodutivos, direitos sexuais, violência contra as mulheres.
Com graduação em psicologia e mestrado em sociologia, me tornei pesquisadora em estudos sobre feminismo, gênero e sexualidade com doutorado na área pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre feminismo, gênero e mulheres.
PM - Qual a importância de um projeto que priorize a equidade de gênero, raça e etnia para mulheres rurais em suas intervenções?
Gilberta Soares - A incorporação da dimensão de gênero e raça em projetos que lidem com questões sociais relevantes e com populações em vulnerabilidade social é fundamental para alcançar os objetivos de promoção da cidadania e da justiça social. As trabalhadoras rurais são parcela fundamental para a promoção da equidade de gênero haja vista as inúmeras questões de desigualdade de gênero que vivenciam em seu cotidiano. As dimensões de gênero e raça são indicadores importante que tem sido pactuado por diversas agencias da cooperação internacional como a ONU, o Banco Mundial, entre outras, fomentando a incorporação em ações regionais e locais.
PM - Que parcerias a SEMDH tem com o Procase?
Gilberta Soares - A parceria visa apoiar e fortalecer as iniciativas para promover a equidade de gênero e a igualdade racial, através das ações dirigidas a grupos produtivos de mulheres e comunidades quilombolas do estado. Realizamos conjuntamente encontros de mulheres, intercâmbios entre grupos de mulheres.
PM - Qual deverá ser o legado do Procase para as mulheres rurais da PB?
Gilberta Soares - Com certeza, é a colaboração para a autonomia das mulheres no semiárido paraibano, de mulheres individuais e, especialmente, dos grupos produtivos de mulheres, como a rendeiras do Cariri Paraibano, as louceiras quilombolas e mulheres que produzem a agricultora orgânica que são fortalecidas por meio de projetos assistidos pelo Procase em parceria com o Fida. Do ponto de vista da organização social, as ações do Procase fortalecem o protagonismo das mulheres rurais no campo e nas organizações sociais e articulações específicas da área, como os territórios da cidadania, os sindicatos rurais fortalece os movimento de mulheres rurais.
Em: https://www.procase.pb.gov.br/single-post/2017/03/30/entrevista-com-gilberta-soares-secret%C3%A1ria-de-estado-da-mulher-e-diversidade-humana-da-p
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