sábado, 6 de novembro de 2021

Resenha da Livro o Guarani, de Jose de Alencar

"O Guarani" - Análise da obra de José de Alencar

A formação do povo brasileiro
"O Guarani" foi publicado originalmente como folhetim de janeiro a abril de 1957, sendo lançado na forma de livro no final desse mesmo ano. A obra é um dos maiores representantes da primeira fase do modernismo brasileiro, conhecida como fase indianista. Como o próprio nome diz, essa fase procurava valorizar o índio de forma a transformá-lo em um verdadeiro herói nacional. José de Alencar tinha a intenção de criar obras que mostrassem a realidade brasileira de sua época, exibindo as belezas do Brasil e o índio. Assim, Alencar contou através da história de amor de Peri e Ceci em "O Guarani" o tema da miscigenação entre o índio e o branco.

Na época de seu lançamento, "O Guarani" obteve muito sucesso de público e crítica. Os leitores de então já estavam acostumados com a leitura de folhetins, mas o formato “romance” ainda não estava bem desenvolvido no Brasil. Com o lançamento de "O Guarani", esse novo gênero literário ganhou força e passou a ser produzido com maior frequência e qualidade pelos escritores brasileiros. Por conta disso, essa obra é considerada o primeiro grande romance brasileiro. Uma característica interessante de "O Guarani" é que José de Alencar foi escrevendo a história de acordo com a opinião que recebia de seus leitores. Diversas vezes ele mudou o destino de alguma personagem por ter recebido reclamação ou sugestões.

"O Guarani" também pode ser considerado um romance histórico, uma vez que diversas personagens são inspiradas em pessoas reais. Além disso, têm-se também uma caracterização do Brasil da época como sendo um espelho da Europa medieval. Um exemplo significante é o de D. Antônio de Mariz, cuja fortaleza é descrita como sendo uma mistura da arquitetura colonial brasileira com a de um castelo medieval. Além disso, a relação dele com a de seus empregados é igual a que um senhor feudal tem com seus vassalos.

A estrutura do romance também segue o clássico modelo da história romântica: há uma moça bonita, o herói e o vilão. Ceci é a bela “princesa” loira e pura, filha do nobre D. Antônio de Mariz. Por ela se apaixonam três homens: Loredano, Álvaro e Peri. Loredano, que na verdade é o frei Ângelo di Luca, é o grande vilão do romance e sua paixão por Ceci não passa de um desejo sexual. Em contraste a Loredano está Peri, o índio e grande herói da história. Seu amor por Ceci tem tons de sagrado e ele a vê como uma imagem de Nossa senhora. No meio desses dois opostos encontra-se o nobre cavalheiro Álvaro, que ama Ceci de forma respeitosa e a vê como futura esposa. Porém, em certo momento ele acaba se envolvendo com Isabel, uma moça mestiça filha de D. Antônio com uma índia. Isabel é uma personagem com bastante força dentro da história, uma vez que ela encarna o complexo de inferioridade e o preconceito que sofre por ser mestiça.

O amor de Peri e Ceci é representado bem ao gosto do romantismo: Peri é o herói que se dedica inteiramente a sua amada, idolatrando-a como sua senhora. Ao final do romance, Peri realiza um ato heroico de sacrifício tomando veneno para que a tribo antropófaga dos aimorés morresse envenenada após comer sua carne. Porém, Álvaro acaba convencendo-o a tomar o antídoto e é salvo. Após a derrota dos portugueses, D. Antônio pede a Peri que ele se converta ao cristianismo e fuja com sua filha Ceci.

Dessa forma, o índio abandona sua tribo, língua e religião em nome de sua amada. Esta gradual transformação de Peri mostra a imposição da cultura branca e do cristianismo, e uma posterior assimilação do “selvagem” idealizado. Por fim, cabe ressaltar que a cena final de Peri e Ceci sumindo no horizonte seria uma representação das origens do povo brasileiro. Assim, sendo um casal formado por uma portuguesa e por um índio, eles seriam os fundadores da nação brasileira.

Narrador

"O Guarani" apresenta foco narrativo em terceira pessoa, sendo o narrador onisciente intruso. Ou seja, o narrador não só possui acesso aos pensamentos e sentimentos das personagens, como também expõe ao longo da narrativa comentários sobre as atitudes das personagens. Essa parcialidade e falta de distanciamento do narrador serve para induzir o leitor a acreditar na tese indianista de exaltação à natureza e eleição do índio como herói nacional.

Comentário do professor
O professor Marcílio Lopes Couto, do Colégio Anglo, frisa que para entender "O Guarani" é preciso pensa-lo dentro de um projeto pedagógico concebido por José de Alencar, cuja intenção era compreender e mostrar a realidade brasileira de então. O prof. Marcílio explica que estava-se em um momento histórico diretamente posterior ao da Independência do Brasil e havia-se a necessidade de criar uma cultura propriamente brasileira, diferenciando-a da cultura de Portugal. Se a língua e outros traços culturais eram iguais, o que encontraram como símbolo do Brasil foi justamente a própria terra, com suas belezas e encantos, e o índio, elegido como verdadeiro herói nacional.

Na figura do índio foram encerrados todos os valores que gostariam de ser associados ao homem brasileiro, tais como honra, lealdade, devoção à amada e sobretudo o amor pela terra. O prof. Marcílio lembra que a figura do índio dentro do Romantismo brasileiro é claramente idealizada, sendo que os próprios autores tinham consciência disso, mas pensando-se dentro do momento histórico em que a obra foi concebida a figura do índio surge como símbolo máximo da terra brasileira. Portanto, o índio Peri, protagonista de "O Guarani", deve ser entendido como um símbolo da terra brasileira.

Além da relação de Peri com a terra, outro ponto importante do livro é a relação amorosa de Peri e Ceci, que aproxima-se do endeusamento, da devoção religiosa. Ceci é uma “moça especial”, pois apesar de sua origem europeia e de sua condição aristocrática, ela é uma moça que se mostra muito apegada à natureza selvagem e entende a terra brasileira. Assim, a relação de Ceci com a terra também é um ponto que merece atenção, diz o prof. Marcílio. Ainda sobre o amor entre Ceci e Peri, deve-se ter em mente que a união entre os dois é uma alegoria da criação da raça brasileira. A união do casal não fica explícita, como acontece por exemplo em Iracema, mas é sugerida ao final do livro quando eles resolvem ficar juntos na natureza selvagem e partem.

Por fim, o prof. Marcílio lembra ainda que existem outras tramas paralelas na obra, tais como a relação de Isabel e Álvaro. Isabel é filha bastarda do pai de Ceci e representa um novo padrão de beleza, que seria a beleza brasileira, e há sempre um contraste entre essas duas moças.

Na trama há também o amor da mestiça Isabel por Álvaro, e amor de Álvaro por Cecília. A morte acidental da índia que pertence a tribo aimoré, causada por D. Diogo, gera revolta dos índios aimorés, e daí se inicia uma batalha. A família da índia quer matar Ceci, então começa uma rebelião dos lutadores que estão ao lado de D. Antônio de Mariz, liderados pelo ex-frei Loredano, um personagem ambicioso e de mau caráter, que pretende saquear a casa e sequestrar Cecília.

Álvaro, que já tinha conhecimento sobre o amor de Isabel, e também a amava, se fere nesta guerra contra os aimorés. Ela vê o corpo de Álvaro e tenta se matar asfixiada próxima ao corpo, mas ao notar que ele está vivo, tenta salvá-lo, mas ele impede que ela se mate.

Durante a batalha, D. Antônio, ao notar que não resistiria à vida, passa o dever de cuidado a Peri a salvar Cecília e cuidar da filha. Os dois vão embora, Ceci vai inconsciente e Peri vê a casa explodindo, de longe. A única pessoa que resta na vida de Ceci agora é Peri. Rumam para um destino desconhecido durante dias, e eis que surge uma forte tempestade, que os pega de surpresa e acaba transformando-se em dilúvio.

Ambos ficam no topo de uma palmeira, Ceci esperando a sua morte e do seu companheiro chegar. Peri resolve contar uma lenda indígena para Ceci, que conta a história de Tamandaré e sua esposa, que conseguiram se salvar de um dilúvio, refugiando-se no topo da palmeira sem conexão com a terra, e alimentando-se somente de frutos. Ao término da enchente, Tamandaré e a esposa descem e ocupam a Terra.

Neste resumo do livro O Guarani, é importante ressaltar que os personagens possuem papéis e linhas pré determinadas, ou seja, com traços marcantes e simbólicos, como o herói, a heroína, os vilões, numa história de pessoas planas e previsíveis. Os heróis são Peri e Cecília, D. Antônio de Mariz é pai de Ceci e também fidalgo português; D. Lauriana é uma dama paulista, mãe de Ceci; Isabel é a filha ilegítima de D. Antônio, que assume papel na trama como sua sobrinha; D. Álvaro de Sá é o líder dos aventureiros a serviço de D. Antônio. Os vilões são Loredano, um indivíduo aventureiro e também um fraude renegado, Rui Soeiro e Martim Vaz, comparsas de Loredano.

Com relação ao contexto de O Guarani, o autor José de Alencar estabeleceu um projeto cultural ao longo de toda a sua carreira literária. O tema fundamental de todos é o Brasil. Ele escreveu obras regionalistas, históricas, urbanas e indianistas. O escritor submetia as peculiaridades nacionais, ou seja, os costumes, a uma forma inspirada no modelo romântico, considerado por ele necessário em um esforço para colocar a cultura brasileira no patamar da europeia.

O livro O Guarani é importante pois é uma expressão do nacionalismo romântico, consolidando personagens típicos do país, e reforçando a figura do herói, com qualidades de um cavalheiro medieval. Vale ressaltar nesta análise e resumo do livro O Guarani, que esta obra indianista faz parte do romantismo literário brasileiro.

A trama possui duas linhas visíveis na construção do livro, a dimensão épica das aventuras na construção da nacionalidade, e a dimensão lírica das relações amorosas, no jogo sentimental entre Peri e Ceci, Álvaro e Isabel. A característica mais marcante é a previsibilidade de o leitor saber que neste jogo, no final, o amor vencerá, e que esta vitória representa o êxito do bem na disputa contra o mal.

Outra característica rica e clara dentro da obra é o Maniqueísmo, principalmente marcante nos personagens Peri, típico cavalheiro, sempre muito elogiado por D Antônio, que o coloca em um patamar superior à do índio amigo), e Loredano, um típico vilão, que não demonstra nenhum apego a terra, e nem pelos valores da fidalguia, é exatamente o extremo do bonzinho Peri, com características que reforçam o dualismo e esta relação muito bem estabelecida e dividida entre o bem e mal.

Sobre estilo narrativo, José de Alencar utiliza recursos românticos – o famoso folhetim, marcante na época do Romantismo, descrições e definições exuberantes, diálogos dramáticos, narração que resgata fatos da vida passada dos personagens, entre muitos outros. A exploração da comparação e metáfora, também discorre durante todo o livro, e construção de uma alegoria da raça brasileira, o maior propósito da obra. Surge a formação da raça brasileira, então, a partir da união de duas raças distintas: a raça branca com a indígena, no contexto do livro, o amor entre os personagens Ceci e Peri.

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