Projeto pedagógico - uso de filme em sala de aula
A partir das décadas finais do século 20, o letramento tornou-se uma metodologia pedagógica que objetiva levar o educando à proficiência leitora, mas ainda precisamos avançar nisso. Por isso, atualmente, está em pauta o multiletramento. Com isso, percebemos que teoricamente há avanços na busca de leitores proficientes, mas isso precisa chegar às salas de aula de forma mais efetiva. Não é raro encontrarmos alunos com problemas de escrita e leitura nos anos finais do ensino fundamental. E, visando contribuir com a redução disso, sempre me empenhei em qualificar profissionalmente e buscar de práticas de ensino inovadoras que atendam a um público que a cada dia necessita ser multiletrado em virtude dos avanços tecnológicos.
Ao me ingressar na pós-graduação e ler várias teorias sobre metodologias de ensino que norteiam uma educação inovadora visando ao multiletramento, percebi que o gênero discursivo filme pode contemplá-lo, pois, ele é multimodal, multigênero e atrai a milhões e milhões de telespectadores de diferentes idades, classes sociais e cultura. Além disso, crianças, adolescentes e jovens imersos no universo educacional estão sempre em contato com o gênero por meio de salas de cinema, plataformas de streamings e outros. Ademais, quando se menciona uma película em sala de aula, boa parte da turma faz interação discursiva sobre ela. Todavia, a sétima arte é pouco valorizada dentro escola como objeto de ensino, conforme comprovam os pesquisadores Moran (1995) e Napolitano (2009). Uma parcela dos docentes leva o filme para a escola visando apenas o entretenimento, outrora, como “tapa-buraco”, filme “enrolação”. Logo, ignoram uma “joia didática” que contém roteiro, direção, sonoplastia, enredo, assim como o aspectos discursivos e estilísticos.
Objetivos
A nossa proposta didática tem como objetivos levar o filme para a sala de aula porque ele é um gênero discursivo que merece ser contemplado na escola assim como outros gêneros literários, pois, ele trata a linguagem verbal e não verbal como elementos essenciais para a comunicação humana, trazendo aos telespectadores as diversas possibilidades de leitura e compreensão textual. Além disso, sensibiliza, provoca compaixão, sendo mais um atrativo para a prática leitora. Ademais, para Napolitano (2009), há a necessidade de incorporar a linguagem fílmica ao trabalho escolar como se faz com outros textos verbais e não verbais, já que a arte cinematográfica discute temas polêmicos, incorporados na literatura, no cinema e na história. Soma-se a isso, o fato de a sétima arte e suas tecnologias poderem ser uma forma de resgate de uma escola inserida em um “ostracismo técnico-cultural” e trazê-la para um ambiente em que há um público chamado de geração Z, hipercognitivo e com experiências múltiplas - reais e digitais ao mesmo tempo. Ademais, pretendemos que nossa proposta didática, organizada sequencialmente, aumente o gosto e a compreensão de filmes por parte de alunos, imergindo-lhes em um ambiente cultural que vai além de cenas emocionantes, já que possui um enredo bem pensado e executado visando ir além do entretenimento. Para compreender isso, é necessário que os discentes passem a pensar a sétima arte como um objeto discursivo, ideológico que pode transmitir uma ideia por meio de cores, vestuário, espaço cenográfico. Soma-se a isso, o nosso desejo de fortalecer o amor deles pela teledramaturgia, com sua multi-discursividade.
Especificamente, nosso objetivo é apresentar a professores fundamentos sobre leitura e cinema na escola, auxiliando-lhes na formação profissional; assim como propondo atividades pedagógicas organizadas através oficinas de cinema, centradas no multiletramento. Para contemplar a escrita, propomos a produção de roteiro, resenha e videorresenha.
Justificativas
Por que trabalhar com filme em sala de aula?
O professor precisa atentar para as metodologias ativas que visam uma educação inovadora e o gênero filme faz parte deste universo, devido às suas diversas qualificações que propiciam o multiletramento. Para o francês Martin (2005) ainda se faz necessário ensinar a ler um filme, decifrar o sentido das imagens como se decifra o sentido das palavras e de seus conceitos, assim como compreender as sutilezas da linguagem cinematográfica, pois até o movimento das imagens não ocorrem de maneira passiva na sétima arte, assim como o som que “casa” as imagens dando profusão semântica à mensagem; além disso, a peça cinematográfica funciona como magia que está contida até na velocidade em que as imagens são rodadas por segundo, criando a sensação de movimento, a ilusão óptica de que elas estão em movimento[ Hobbit, por exemplo é rodado em 48 fps, o que faz com que o irreal parece real aos olhos humanos; quanto mais frames por segundo, mais é a sensação de realidade; sendo assim, os melhores games são produzidos com 60fps - eis o motivo de muitos aparelhos eletrônicos travarem com alguns programas - a quantidade de frames]. Soma-se a isso, a audição do telespectador, almejando a realidade por meio da produção cinematográfica, juntando-se a essa busca realística, a exploração da cor e da luminosidade. Para Moran(2005) muitos espectadores, glutões ópticos e passivos, nunca conseguem digerir o sentido das imagens e isso precisa ser ensinado na escola, porque tudo que acontece em uma narrativa fílmica, não é obra do acaso, já que sempre há uma razão ser e estar presente na sétima. Quando o aluno compreende isso, ele amplia seu cabedal cultural, assim como fomenta sua proficiência leitora, pois para esse especialista (MORAN, 2018:3), ensinar e aprender tornam-se fascinantes quando se convertem em processos de pesquisas constantes, de questionamento, de criação, de experimentação, de reflexão. Por fim, concordamos com Martin (2005:17) que algumas pessoas desprezam o cinema porque ignoram a sua beleza, mas é absolutamente irracional tê-la por desprezível, já que essa arte é, socialmente falando, a mais importante, assim como a mais influente de nossa época.
Multiletramento
A nossa proposta didática parte do pressuposto de que é necessário multiletrar o educando, levando-lhe compreender gestos, sinais gráficos, cores, luminosidade, sons no contexto cinematográfico, já que isso colabora com a leitura de outros gêneros discursivos e permite que essa prática social, que é fundamental ao ser humano moderno, seja mais proficiente. Além disso, Cafiero e Rocha (2009:101) afirmam que ensinar a ler é, antes de tudo, formar sujeitos leitores ativos, críticos e independentes. sendo assim, assistir a filme apenas por entretenimento é bom, todavia assisti-lo sendo um leitor ativo, crítico e autônomo pode produzir uma sensação de prazer indescritível. Por fim, contemplando a nossa ideia de letramento através da sétima arte, Rojo (2012) nos diz que precisamos suplementar o letramento alfabético pela aprendizagem da leitura e da escrita de textos multimodais que integram outros modos de linguagem (visual, gestual, espacial, além do linguístico). Logo, nada melhor que fazer isso através de filmes, proporcionando o letramento múltiplo.
Proposta didática
A nossa proposta didática é planejamento tendo a obra Letramento literário, teoria e prática, de Rildo Cosson (2019) como norte, pois, acreditamos que a aplicação de uma sequência de atividades tem um valor significativo para o aprendiz, uma vez que nela há uma análise prática que permite o estudo e a avaliação sob uma perspectiva processual que inclua a fase de planejamento, aplicação e avaliação, além de podermos analisar e fazer intervenções, objetivando a formação de educandos multiletrados na arte cinematográfica. Portanto, nossa proposta de letramento pretende garantir o prazer de experienciar o cinema ao mesmo tempo em que haja a garantia de produção de conhecimentos curriculares. Ela é produzida contemplando os momentos de “motivação”, “leitura”, “interpretação” e “produção”. Além de Cosson, estão presentes suportes teóricos para a construção das atividades como Napolitano (2009), Edgar Moran(1995) - que tratam do uso do filme em sala de aula -, Marcel Martin (2005), Jacques Aumont (2006) que são especialistas em cinema, cujas obras tratam da linguagem cinematográfica.
As oficinas
Oficinas “motivação”:
As quatro primeiras são motivacionais, em que se trabalha curiosidades sobre o gênero discursivo, conhecimento e aprofundamento dele. Nelas, os alunos respondem a um questionário sobre práticas cinematográficas, rememora frases populares referentes a filmes, memes e gifs com personagens relacionadas à sétima arte, atividades em que há um ou mais personagens e o discente as associam a um filme; trabalha-se também o léxico relacionado a títulos de filmes em Portugal e Brasil. As oficinas 2 e 3 têm objetivam levar o educando a conhecer e aprofundar sobre o gênero, pois, tratam de tipos de qualificação que se dão a película cinematográficas, assim como as mensagens diretas e indiretas passadas pelas narrativas fílmicas; tratando-se da língua oral, trabalhamos algumas gírias relacionadas ao gênero. Aprofundando no conhecimento do gênero, as atividades tratam da produção cinematográfica como roteiro, direção, sonoplastia; além disso, enveredamos para o enredo com suas personagens e classificações delas quanto à atuação na peça, como a mimese fílmica - em que leva o real para o ficcional. Também discorremos sobre a popularização do anti-herói e atores brasileiros que são famosos em produções internacionais.
Na oficina 4, introduzimos especificamente, o gênero filme tratando de neologismos tão comuns ao público cinéfilo como crossover, spin-off, reboot, sequel, verse (universo Marvel). Ademais, trabalhamos o enredo, a captação de imagens.
A oficina 5, "O filme já vai começar”, aprofundamos no gênero, tratando especificamente de animação e técnicos envolvidos no projeto de anime, uma vez que a obra em leitura é o filme de animação Bug Life (1998). Além disso, falamos um pouco sobre gênero capa de filme, em que o aluno pressupõe o que contém no enredo do filme baseado nela ou em um cartaz. Essas suposições serão confrontadas após a sessão de cinema.
A oficina 6, “leitura”, é o momento em que o discente assiste a um filme.
A oficina 7, “vamos falar do filme”, é o momento em que se trabalha a compreensão e interpretação da obra. Para desenvolver essa oficina, tomamos como suporte teórico as sugestões de Edgar Moran em que faz-se uma leitura globalizante, uma análise global, uma análise concentrada. Além disso, trabalhamos com ditados populares relacionando-lhes a cenas do filme assistido.
As oficinas 8 e 9, “eu roteirista” e “eu videorresenhista”, respectivamente, contemplam o momento de produção, conforme Cosson(2009). Na primeira, por meio de uma atividade, o aluno entende que o dia a dia dele é traçado por meio de um roteiro. A segunda, o educando produz uma videorresenha sobre a peça cinematográfica assistida. Para isso, ele precisará produzir um texto escrito e um oral, além de lidar com as tecnologias que englobam a videorresenha. Tudo isso será feito com a assistência do professor.
REFERÊNCIAS
ANTONIO, Lauro. In: MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Lisboa. Dinalivros, 2005.
BACICH, Lilian, MORAN, José. Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórica-prática. Porto Alegre. Editora Penso, 2018.
BRASIL. Filme na sala de aula: aprendizado para a vida. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao/praticas/caderno-de-praticas/ensino-fundamental-anos-iniciais/83-filme-na-sala-de-aula-aprendizado-para-a-vida. Acesso em: 24 set. 2019.
CAFIERO, D.; ROCHA, G. Avaliação da leitura e da escrita nos primeiros anos do Ensino Fundamental. In: CASTANHEIRA, M. L., MACIEL, F. I. P.; MARTINS, R. M. F. (org.). Alfabetização e letramento na sala de aula. Belo Horizonte. Editora Autêntica: Ceale, 2009. 2ª edição, págs. 75-102.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo. Contexto, 2019. 2ª edição, 9ª reimpressão.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. 3ª edição.
MORAN, J. M. O Vídeo na Sala de Aula. Comunicação & Educação. São Paulo, ECA-Ed. Moderna, [2]: 27 a 35, jan./abr. de 1995. In: http://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/36131/38851. Acesso em: 07 out. 2019.
NAPOLITANO, M. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009.
ROJO, R.; MOURA, E. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012.
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